terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Texto da Tribuna do Paraná

Reproduzo AQUI matéria do jornal Tribuna do Paraná, onde trabalhei de 1995 a 1999, como repórter policial. A mestra Mara Cornelsen está fazendo uma série especial do caso das Abagge, uma história que sempre ficará marcada na imprensa local, judiciário e na lembrança de todos aqueles que estiveram envolvidos direta ou indiretamente. Dei minha contribuição na edição de hoje, como repórter que fui no júri de 98, para o dito cujo jornal.
Grande júri

Mara Cornelsen

Era 1998. Com uma banca de criminalistas bem constituída, formada pelos “medalhões” paranaenses como Osmann de Oliveira, Ronaldo Botelho, dentre outros, o Fórum de São José dos Pinhais passou a ser alvo da imprensa de todo o Brasil e de mais de 30 outros países que noticiavam o julgamento “das bruxas”. A imprensa local, já bem mais cuidadosa, havia mudado o tratamento para com as duas mulheres, sabedora que estava das muitas irregularidades contidas em todo o processo.

Tudo era uma incógnita e as dúvidas se acumulavam a cada dia de trabalho. Nos intermináveis dias de sessão, presididas pela novata juíza Marcelise Weber Lorite, que com paciência de Jó tentava manter a calma entre num plenário lotado e tenso, com policiais cercando o prédio e revistando cada um que entrava (usando até detectores de metais).

O promotor Celso Ribas, um dos principais expoentes do Ministério Público do Paraná (morreu anos depois de um ataque cardíaco fulminante), tomou a causa como sendo sua e não mediu esforços para incriminar as rés. De outro lado, entre os figurões defensores, um rapaz se destacava: Antônio Augusto Figueiredo Bastos. Alto, de fartos cabelos negros e óculos de aro fino, digladiava com Ribas quase chegando às vias de fato. Deixavam explícito em plenário que a briga estava virando pessoal. A vítima, as rés, os jurados, tudo o mais pareciam coadjuvantes daqueles embates apaixonados entre o que parecia ser o bem e o mau.

Bastos hoje

Atualmente, Figueiredo Bastos atende em um amplo escritório na Rua Roberto Barroso, em Curitiba. Já com cabelos grisalhos, mas sem perder o ar da juventude, ele recorda ainda com paixão daqueles dias, salientando que não só Beatriz e Celina são inocentes, como todos os demais. Classifica o processo como um grande erro jurídico e sem precisar fazer outra consulta que não seja a da mente, assegura que “o caderno processual não reflete o que houve”. “As confissões não batem entre si nem com o laudo de necropsia. Chega a ser ridículo”, enfatiza. Diz que tudo foi baseado nas especulações de Diógenes Ramos Caetano e no testemunho de um tal Edésio da Silva, usuário de drogas, cujo irmão, Edilio, era vereador e líder de Aldo Abagge na Câmara Municipal (único que disse ter visto Evandro no carro de Beatriz, com ela e Celina, no dia de seu sumiço) e nas confissões obtidas sob tortura. “É um caso construído na mídia”, garante.

Quanto ao fato de o julgamento das duas mulheres ter sido anulado em instâncias superiores, Bastos revela que já sabia que isso iria acontecer, tudo por conta do primeiro quesito formulado aos jurados, que induzia a erro. O quesito perguntado, após 34 dias de júri, era se o menino Evandro Ramos Caetano foi morto na serraria dos Abagge (resumidamente). Os jurados disseram que não. Foi o que bastou para inocentá-las, pois a juíza entendeu que eles não aceitavam aquele corpo como sendo o do Evandro. Porém a decisão foi quanto ao lugar do crime não sobre a identificação da vítima.

Sob o argumento que os jurados se manifestaram contra a prova dos autos, o júri foi anulado e no ano passado decidiu-se que elas retornariam a julgamento. Celina, pela idade, não mais vai sentar no banco dos réus. Mas Beatriz ainda tem um pêndulo sob a cabeça. Seu novo júri poderá ser marcado para abril deste ano, caso nenhum fato novo aconteça.

“Eu protestei muito sob o quesito, mas fui voto vencido inclusive na banca de defesa. Depois de lida a sentença ‘absolvidas’ as pessoas só queriam comemorar. O Ministério Público não perdeu tempo e conseguiu o que queria, a anulação”, lamenta Bastos.

A Tribuna


A cobertura da Tribuna para o júri ficou a cargo da jornalista Ronise Vilela e é assim ela descreve o trabalho:

“Ao ser anunciado que as Abagge iriam a júri, em 1998, tratei de me escalar para fazer a cobertura jornalística, imediatamente concedida pelo diretor da Tribuna do Paraná, Carlos Roberto Tavares, o saudoso “Charles”. Com a vantagem de não ser contaminada por informações anteriores do caso, apenas pesquisei sobre o assunto em reportagens, leitura de uma sinopse do processo e fui especialmente “limpa”, sem pré- teorias, conceitos ou sentença.

Com exceção da aventura diária para ter lides (abertura de matéria) criativos em 34 dias, além dos cuidados para não levar “furo”, o júri tinha algo circense. Muitos dos envolvidos no julgamento pareciam ter adquirido uma personagem para ser alvo das câmeras e microfones. Faltou certa austeridade na condução do júri, talvez pela imaturidade da magistrada. A equipe de defesa fez novos nomes e a vaidade dos novatos ajudou a desvirtuar muitas vezes o real assunto, o júri das Abagge, isso porque, testemunhos se arrastaram por dias e tornavam as pautas enfadonhas. Percebo hoje, que pode ter sido estratégia.

Teorias à parte, recordo que os jornalistas mais velhos tinham a inocência de Celina e Beatriz como certa, em razão das dezenas de supostas falhas existentes no processo, o que poderia ter conduzido a uma falsa acusação das rés. Entretanto, a “nova” geração de repórteres, a desconfiança permeava, sem pré-julgamentos, mas, particularmente, ratifico, o júri de 98 não foi, de forma alguma, esclarecedor nesse sentido, porém, deixa dúvidas sobre o envolvimento das mulheres no caso.

No dia em que foi proferida a sentença, corri na contramão. Foi num sábado, depois das 22 horas, o que já não pudera entrar na edição de domingo. Enquanto todos os holofotes se dirigiram as Abagge, até todos na sala ouvirem “absolvidas”, os pais de Evandro Ramos Caetano saíram discretamente e eu os segui com o fotógrafo Atila Alberti. Foi minha aposta. Eles correram e só sinalizaram que não queriam falar.

A dupla da Tribuna era incansável e estávamos sedentos em fazer a diferença. Quando retornamos ao tribunal, Celina e Beatriz já haviam sido retiradas e saíram em esquema cinematográfico de São José dos Pinhais. Encarnamos nosso papel e seguimos o carro de um parente das Abagge, que quilômetros adiante percebeu a perseguição e tentou nos desvirtuar. Não cedemos. Conseguimos chegar até a casa das mulheres. Não queriam nos receber. Festa na casa. Lembro ter falado com Ronaldo Botelho, o chefe dos advogados delas, e ele permitiu entrarmos por cinco minutos, atrasados, outros repórteres também estiveram no local, mas só outra colega conseguiu a permissão. A capa da Tribuna da segunda-feira, dia da manchete de elite, ABSOLVIDAS, a foto, Celina e Beatriz abraçadas por Botelho. Missão cumprida! Valeu Charles!”

3 comentários:

  1. Parabéns! Você me parece bem apaixonada pelo jornalismo. Vá em frente!

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  2. Vou ler a série toda. O assunto foi tão martelado pela imprensa na época que lembro que apenas ouvir as palavras Abage e Guaratuba, mesmo que em contextos totalmente diferentes, traziam péssimas sensações. Sim, eu era bem novinha na época e muito impressionável pelo jeito. Lembro também do advogado de defesa, bem jovem na época. Você acha que uma coisa assim (falando do "linchamento" por parte da imprensa) aconteceria hoje ou teriam mais cuidado?
    Simone (@caramujo_)

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  3. Acabei de ler a série agora, não sabia das torturas, etc, linchamento da imprensa foi fichinha nesse caso...
    Simone

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