quinta-feira, 1 de abril de 2010

Minhas barrigas


No jargão jornalístico, barriga é dar uma notícia inverídica. Os motivos podem ser: ânsia de furar a concorrênca, empolgação, falta de checar as fontes e mais alguns itens. Entretanto, seja qual for o motivo da barrigada, o resultado é indigesto. AQUI, mais sobre barriga.
Cometi duas barrigas na minha carreira, mas foram homéricas, principalmente por se tratarem de manchetes de jornal.
A primeira eu ainda era foca. Foi no jornal que tenho um carinho especial até hoje. Eu era repórter setorista de futebol dos 3 times da capital. Numa troca de chefias, virei editora do caderno de esportes, mas contiuava a cobrir os times, porém, sem sair da redação.
Tiba, um famoso atacante da Portuguesa no final da década de 90 estava prestes a acertar com o Coritiba. Era o assunto da semana. Fim de tarde e precisando fechar a edição, liguei para o supervisor do Coxa, fonte confiável na época, que me garantiu a chegada do jogador "estou indo ao aeroporto buscá-lo". Sem fotógrafo para registrar o momento, mas com a garantia da fonte, tasquei na manchete TIBA É O NOVO ATACANTE DO ALTO DA GLÓRIA, ou coisa parecida.
Feliz da vida, o encanto se desfaz no dia seguinte, quando na caminhada matinal me deparo com o jornal mais lido de esportes estampado, TIBA NÃO VEM MAIS PARA O COXA. Ataque de pânico, ânsia de vômito, vertigem. Chego na redação e vou direto para o chefe. "Pode me despedir". E o que ouço? "Não se incomode, só meia dúzia leem esse jornal". Não sei o que foi mais triste, a barriga ou saber que não havia leitor do periódico.
O segundo episódio da barrigada foi no "Senhor Jornal". Eu já era mais experiente e estava num momento pautas filé mignon. Num belo sábado, um dos coordenadores me chama e diz: "Ronise, parece que achamos o ganhador da Mega Sena acumulada aqui de Curitiba". Passados contatos, casa lotérica e depois do serviço de Sherlock Holmes, o bilhete premiado estava no lixão do Caximba. Equipe no depósito de lixo e imaginar como um pedaço de papel seria encontrado em 14 mil toneladas de entulhos. Pá! Descobri o celular do sortudo, achei o cara. Apostou em tal lotérica as dezenas que correspondiam as idades dele, da esposa, filhos, pai e mãe. Ele deu entrevista, disse o que faria com a fortuna e o Brasil querendo saber como ele resgataria o prêmio sem o bilhete. Segundo a versão do moço, jogou o cartão de aposta, porque conferiu a Mega vendo o sorteio da Quina, ou por ai.
Juro que o vácuo dessa história habita nesse detalhe. Cumpri a pauta empolgada com a chefia de redação para ser a capa de domingo. Engolimos a história com farofa, sem questionar, sem colocar palavrinhas mágicas do Jornalismo como suposto, o que se diz ganhador, e para dar caldo, fiz um texto do caralho, sem qualquer modéstia.
Domingo de glória, Folha de São Paulo, O Globo e todos os jornais de Curitiba comprando a pauta, mas o trunfo era meu!
Segunda-feira na TV: "Hoje pela manhã o verdadeiro ganhador da Mega Sena acumulada retirou seu prêmio na agência da Caixa do centro da capital. A Caixa informou que se trata de um homem de tantos poucos anos, residente no interior do Estado e que fez uma aposta mínima. Ele veio visitar um filho doente e aproveitou o tempo livre para fazer uma fezinha, numa casa lotérica em frente ao hospital". Tudo de novo, pânico, vertigem, dor de barriga e a mesma atitude. Na redação, chamei o chefão e pedi a conta, alegando que a incompetência foi minha. O velho chefe me levou para tomar café junto com uma "conselheira", e naquele tom ao pé do ouvido proclamou: "Guria, o texto estava tão bom, que você conseguiu envolver editor, chefe, outros colegas e até o dono do jornal com a história, que se é a notícia era verdade ou não, passou a ser secundário". Será que eu tinha escapado mais uma vez?
A vergonha estava em mim é claro, mas todos, eu disse todos os jornais correram para dar a mesma história, que retratrei na edição seguinte, mas ao contrário da primeira barriga, o Brasil inteiro leu!

Notas: *coincidência pura um post sobre barriga em 1o.de abril
** nada melhor do que Homer Simpson para retratar uma barriga

6 comentários:

  1. Hahahaha

    Tá, pra trabalho complica, mas num modo geral bola fora ou barrigada, é sempre um sarro. xD

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  2. Muito bom o texto, pra variar um pouco.
    Melhor ainda é imaginar a cara de um jornalista descobrindo, no dia seguinte, que seu trabalho era uma barrigona de Homer. Triste, mas engraçado!

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  3. Admitir as "barrigas" com bom-humor é para poucos. Conheci seu blog e achei bem temperado. Parabéns!

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  4. IEGER- A Tragicomédia dá ipobe
    JAMIL- Cara de pastel de vitrine de boteco de China é a melhor definição para a situação
    LUCIANE- Thanks!

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  5. hahah
    que histórias engraçadas!

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