sábado, 10 de abril de 2010

Um amor em fita K7


Haine e Bob eram amigos. Cúmplices dos livros, filmes, músicas, política e gastronomia. Não podiam conhecer algo novo sem compartilhar a descoberta. Mas era apenas amigos. Isso da parte de Bob, apaixonado por uma moçoila interiorana, sem graça, mas que fazia Bob suspirar e confidenciar seus mais loucos desejos para Haine.
Calada com seu amor aprisionado pela amizade, Haine um dia tomou coragem. Escreveu uma longa carta em papel pautado. Páginas e páginas de sua confissão amorosa pelo amigo, misturada com mea culpa por confudir as estações, mas não aguentava mais sofrer em silêncio. Não pedia reciprocidade, nem rompimento, sequer esperanças, apenas era um desabafo para o amigo, também, ironicamente, seu grande amor.
Para não fugir ao estilo criatividade, que permeava a relação de ambos, Haine gravou o conteúdo numa fita cassete. Era para a declaração ser lida e ouvida.
No dia marcado por ela, Bob estava especialmente feliz e a convidou para um café. "Tenho uma novidade!", disparou o moço alto, de nariz longo e um ar de poeta dos anos 50. "Eu também!", retrucou a garota pequena, sem muita pintura no rosto e vestes de dandi.
Ansioso, Bob pediu para falar antes. Sem pressa de concretizar seu intento, Haine ainda apalpou por debaixo da mesa, a bolsa contendo a carta e a fita cassete. Entre um gole de café e uma tragada do cigarro, ele revelou que seu romance com a caipira tinha se estabelecido. Bobo, com um sorriso indecente e feliz, não percebeu a demolição que acabara de provocar em Haine, que com sua classe, manteve a expressão de amiga. "Quem bom que vocês se acertaram", disse, morta. Depois de uma novena de planos revelados com a outra mulher, Bob pergunta sobre as novas da amiga. "Era nada não. Mas preciso ir embora, a gente se fala mais tarde".
Em passos largos que nunca chegavam a seu destino, com lágrimas contidas para evitar ser vista em prantos, Haine caminhou em marcha derrotada. Ao abrir a porta de seu minúsculo apartamento, rasgou a carta, destruiu a fita cassete e se puniu até adormecer.
Passada uma semana, ela nem conseguia olhar para si mesma e tampouco para Bob. Ele, enfeitiçado pela paixão simplista, não percebia a dor da amiga. Ela havia convertido seu amor em raiva. E num belo dia, Bob bate na porta de seu apê. Haine o trata com frieza e só então ele percebe a mudança de humor da amiga. "Aconteceu alguma coisa?" Foi o estopim para o ataque de ira de Haine, que quebra um copo e revela a alma. Sai de casa e o deixa sozinho.
Fim da amizade!

Hoje Haine é uma dona de casa classe média, que sonha com os filhos na faculdade e a establidade financeira.
Bob? está separado da caipira que virou doutora e lhe deu um par de filhos. Ele ganha muito dinheiro e está no poder. Sozinho, é claro!

4 comentários:

  1. História bonita, porém triste. Autobiográfica?

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  2. Essa história me deixou curiosa, quem é Haine e Bob. Me lembrou da moça apaixonada que viu a paixão naufragar quando viu ele na porta da sua sala da faculdade, sim era o novo professor. Só restou a saudades.
    Agora conta eles existiram de verdade?

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  3. Já dizia o poeta: "...e quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração..."

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  4. Resposta a todos os comentários: dou a liberdade e a licença poética, pertinente a quem escreve.

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