quarta-feira, 26 de maio de 2010

Desabafo para não morrer do coração


Dói e muito. Acho que só com terapia passa ou ameniza. Sei que ainda estou na fase luto bruto, de lidar com datas, finais de semana e processar a perda materna. Mas não é nada fácil. Nem minha pretensa fé, nem as inúmeras tentativas de dar a volta por cima e muito menos fazer comparativos disformes do que eu passo em relação ao outro. Nada disso conforta. Ontem, de repente, depois de um dia aprazível, com a filha e marido dormindo, afazares domésticos em dia, meu relax, foi como se tivesse acordado de um estado letárgico e me deparasse com a notícia da morte de minha mãe. Voltou tudo, como se o fato tivesse acabado de acontecer.
O choro infantil, a contração no peito, o desespero. Sentada na velha banqueta no canto da cozinha, joguei meu corpo e alma, banidos naquele instante de qualquer vontade de viver.
Não me reconheci. Mas não era eu mesma. Eu sempre tive minha mãe perto. Mesmo morando longe por uma temporada, eu e Rosa sempre fomos ligadas. Cúmplices. Como filha mais velha fui cobaia de muita fase, mas aprendemos juntas. Nos desentendemos algumas vezes e era foda, porque tínhamos o mesmo método: o silêncio macabro, o desconhecimento da existência alheia, ignorar. Ela porém, tinha um agravante, guardava a mágoa. Eu sou mais vira-lata, é só dar um afago que abano o rabo e esqueço o latido anterior.
Olho as fotos antigas e ela estava presente e vejo as fotos recentes sem ela estar vivendo o agora, é tão irreal, absurdamente incompreensível, perco o chão, a cabeça e a vontade. Perder a condição de filha da mãe para uma mulher, nos fragiliza ao cubo. Sou filha ainda, do pai, que mora longe, ois temporários...enfim.
E em dias assim, o dia é apenas uma sucessão de horas angustiantes, onde vivo de forma robótica, destilo minha tristeza, aparento o desleixo feminino, não por luto ou por uma vulgar vitimização, mas porque simplesmente não consigo disfarçar. Pronto, desabafei antes de ter uma síncope.

***Obra de René Magritte, 1948

9 comentários:

  1. Desabafos são necessários, minha amiga. Sempre.
    Existe em cada um de nós a necessidade de colocar pra fora o que nos causa dor, tristeza, incômodo.
    Complicado é perceber que mesmo sentindo tudo isso ainda estamos vivas, mesmo que não estejamos inteiras. Só o tempo pra remendar, colar aquilo que se quebra em nós. Não te digo 'seja forte'. Não. Seja você e sinta a sua dor como deve ser. Mas saiba sempre que vc não está sozinha.
    Beijo e afago.

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  2. É engraçado como podemos reviver essa dor terrível. Comigo também acontece, às vezes. Me pego lembrando de cada segundo desde a terrível notícia até a última imagem que tive dela, pouco antes de ser enterrada.
    As outras perdas, já não consigo sentir. E nem sei se, algum dia, sentirei dor tão grande. Espero que não.
    Mas acho que a dor é proporcional ao amor. Que bom, assim, sei que realmente a amei da maneira que precisava.
    E imagino que tenha sido assim com você também.

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  3. E não parece mentira, mesmo? Quando a gente perde alguém importante é como se tivesse aberto uma lacuna, não dá pra acreditar que isso realmente aconteceu. Viva o luto, querida. Acho realmente necessário, sofrer, chorar e ter momentos como este. Afinal, doeu e ainda dói pra caramba! Uma hora ameniza, mas passar, mesmo, ainda não sei. Um beijo!

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  4. Nessas horas a fé é tão abstrata... Um lugar melhor não é neste lugar, ao nosso lado. Fique bem :*

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  5. A gente não dá a volta por cima, a gente atravessa. Por maior que pareça o mar, sempre existe a margem oposta. E a dor é uma forma de reviver o amor, não?

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  6. Ai, eu entendo. Consigo imaginar q vc sente. A dor da perda é horrivel, perdi meus avós há 5 anos atras com 7 meses de distância um do outro. Foi um periodo terrivel, sinto muito a falta deles. Eles queriam tanto me ver formada e não deu sabe? Enfim, a dor ameniza com o tempo, mas não passa... Fica bem! Beijos

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  7. A todos os comentários - obrigada pelas palavras. Adorei tudo o que vocês escreveram! ;)

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  8. oi, rô.
    depois de 15 anos, eu ainda sinto saudades doi meu pai. ele morreu com 51 anos. um dia, num show do Itamar Assumpção, escutei esse poema da Alice Ruiz:

    devia ser proibido
    uma saudade tão má
    de uma pessoa tão boa
    falar, gritar, reclamar
    se a nossa voz não ecoa
    dizer não vou mais voltar
    sumir pelo mundo afora
    alguém com tudo pra dar
    tirar o seu corpo fora
    devia ser proibido
    estar do lado de cá
    enquanto a lembrança voa
    reviver, ter que lembrar
    e calar por mais que doa
    chorar, não mais respirar (ar)
    dizer adeus, ir embora
    você partir e ficar
    pra outra vida, outra hora
    devia ser proibido...
    *********
    -disse tudo!-
    bjo
    marco jacobsen

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  9. Te entendo completamente. Hoje me sinto da mesma maneira. Vazia. Escrevi sobre isso no meu blog.
    É duro crescer no tapa, na raça. A gente se sente sem chão.
    bjos
    Ale

    www.achadoseperdidosescritos.blogspot.com

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